Visualizações de páginas no último mês

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Caminho Iniciático

http://www.regaleira.pt/    -   Foto tirada em 31-10-2010


O Caminho iniciático…



“Nada nos pode dar um profundo sentido do significado da nossa vida terrena, estimulando-nos a vivê-la como um breve estádio experimental, quanto a atitude interior de nos considerarmos como peregrinos.”

Karol Wojtyla
Papa João Paulo II


“O caminho para o mistério não se faz pelo conhecimento ou pela pureza da vida, mas sim pela iniciação. Não é fácil encontrá-lo, bem como encontrar o ponto de entrada, a energia para lá se manter, ou a atitude para permanecer na vida. No entanto, uma vez que se dê o passo inicial com coragem e abandono, o resto, embora seja de certo modo árduo, acaba por se tornar mais fácil.”

Sir Thomas Moore


“Sete é o número da vida no seu aspecto mais misterioso, mais secreto.
Antes de ter acesso ao caminho é preciso transpor sete obstáculos: a infidelidade, a vontade de destruir, a avareza, a idolatria, o egocentrismo, a cobardia e a vaidade… Os sete obstáculos nunca são definitivamente vencidos. Ressurgirão em cada nova etapa do nosso caminho.”

Christian Jacq
Viagem iniciática


Neste caminho para a Quinta da Regaleira, paremos, ainda que por breves instantes, numa ideia que gostava de partilhar convosco… O local onde se situa a Quinta da Regaleira… Sintra! Pois é… Sintra!

A serra de Sintra, que como todos sabemos é considerada Património da Humanidade pela UNESCO (o que penso ser um motivo de orgulho para todos!), é em si própria um local de mistério, de magia, de um certo misticismo…

Por este motivo, encontramos pela  serra fora  vestígios daquilo que foram cerimónias ocultas, capítulos nocturnos, encontros secretos de umas sociedades ditas secretas… Além do mais, é um lugar sossegado, longe do barulho, mas perto de tudo. É um sítio maravilhoso!!!

Reza a história que no ano da conquista de Lisboa aos infiéis Muçulmanos – todos sabemos a data, 1147 – o nosso ‘pai’ fundador D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, conquistou, também, a Serra de Sintra. A história diz ainda que, dez anos mais tarde, o rei de Portugal entrega-a à guarda da Ordem do Templo (os cavaleiros Templários, de quem já falámos atrás).

Por curiosidade, os Cavaleiros do Templo, tinham por hábito ficar com lugares de certo modo estranhos… Ajudavam os monarcas nas suas conquistas e como paga desse esforço pediam que lhes fosse cedido determinado lugar… Lugares de floresta serrada ou de, pelo contrário, lugares tão inóspitos carregados de penhascos… Olhemos por instantes para a ilha de Malta: Aquela ilha nada tinha a não ser pedras e rochas… Voltemos a Sintra… Lugar cheio de plantas, árvores de vários portes e espécies!...
De facto, Sintra é um lugar mágico! E qual motivo melhor para alguém com as ideias de Carvalho Monteiro (1848-1920) e a prática do cenógrafo italiano Luigi Manini (1848-1936) criarem a quinta que visitamos?

A imaginação destes dois talentos concebeu um espaço que é, para mim, uma ode à arte, com particular atenção para o gótico presente em todos as construções da quinta, mas também um hino à história nacional e às tradições místicas e esotéricas da própria serra..

Assim, no ano de 1892 António Augusto de Carvalho Monteiro compra à Baronesa da Regaleira a quinta.

Juntamente com o cenógrafo Luigi Manini (cenógrafo do São Carlos e Arquitecto do Buçaco) criam aquilo que hoje conhecemos como a quinta da Regaleira. Apesar do cenário mágico e da diversidade de caminhos que a regaleira nos oferece, tudo parece conduzir a um aglomerado de pedras, aparentando ser um menir… De súbito, uma curiosa porta de pedra move-se, impulsionada por um mecanismo oculto, e nos dá o ‘passe’ para a entrada noutro mundo!...

Isto é sem dúvida um rito iniciático. O morrer para esta vida terrena para renascer numa outra vida.

Esta imagem corresponde ao poço iniciático, uma espécie de torre invertida, que mergulha nas profundezas da terra… A continuação do rito. A terra representa o útero materno de onde provém a vida, mas também significa o lugar para onde iremos após sermos sepultados… «Tu és pó e ao pó voltarás!».

Comecemos, então, a descer o poço e entrar nas profundezas da terra.

De quinze em quinze degraus se descem nove patamares desta imensa galeria em espiral, sustentada por inúmeras colunas, que vão marcando o ritmo e o aprumo das escadarias. Os nove patamares circulares do poço, por onde se desce à terra ou se sobe na direcção do céu, conforme o precurso iniciático escolhido, lembram os nove círculos do inferno, as nove secções do purgatório e os nove céus do paraíso, que Dante nos deixou bem representado na Divina Comédia.

No fundo do poço, gravada em embutidos de mármore sobressai uma Cruz Templária, aliada a uma estrela de oito pontas, afinal o brazão de Carvalho Monteiro. As galerias conduzem-nos, em autênticos labirintos, pelo mundo subterrâneo. De construção, na sua grande maioria, artificial estas galerias aproveitam as características geológicas da mancha granítica da serra de Sintra. No interior, a abóboda divide-se entre os maciços da rocha mãe, de um granito granular médio, geralmente de cor rosada ou parda, e zonas preenchidas com pedra importada da região de penhiche.

Ao chegarmos ao exterior, esperam-nos a luz e os cenários minuciosamente construídos. São animais fantásticos, artifícios de água em cascata, passagens de pedra que parecem flutuar à superfície dos lagos, ou nuvens silenciosas que dissimulam as entradas para este outro mundo… (como diria Gil Vicente, «chegado ao grande rio, pediu ao barqueiro que o levasse para o paraíso…»).

Como já vimos atrás, a Regaleira é um logar mágico. Podemos ver que a simbologia alquímica se encontra espalhada por todos os locais da quinta. Na capela, na pintura da coroação de Maria por Cristo, na qual a Virgem ostenta uma faixa dourada  (para além das três cores alquímicas – o azul ou o negro, o branco, o vermelho ou rubro) , que simboliza o ouro alquímico.

Também num alto relevo, encontra-se, nas traseiras da capela, um castelo com duas torres separado por uma zona de labaredas e uma goela infernal; Trata-se de uma imagem da tri-unidade do mundo e do Homem: o mundo superior ou espiritual, o mundo intermédio da alma e o mundo interior material (“ad infero” ou inferno). A torre rubra é o forno alquímico (Atanor).

Nas cocheiras, voltam a estar presentes sinais de Alquimia em duas esculturas que formam símbolos clássicos da arte de Hermes: a serpente que morde a cauda, simboliza a unidade, origem e fim de obra, a luta entre as duas naturezas, aqui representada por dois dragões, cada um mordendo a cauda do outro.

A gruta ogival, onde Leda, segurando uma pomba na mão, aparece numa escultura à beira de um pequeno lago enquanto Zeus, disfarçado de cisne, fecunda-a bicando-a na perna. Trata-se de uma alegoria pagã ao mito, ou mistério, da imaculada Conceição, que decorre num lugar húmido e escuro.

Tenho falado de Alquimia. Como todos sabem, alquimia tem por objectivo a transformação real ou simbólica dos vários metais em ouro para, é o objectivo, levar à salvação da alma. Estas operações de transformação ocorrem no que atrás chamei de Atanor, ou seja um forno alquímico de combustão lenta, com um cadinho (recipiente) e um balão nos quais se pretende espiritualizar a matéria e materializar o espírito. Este propósito essencial da alquimia operativa, executada em laboratório, é a obtenção da Pedra Filosofal, simbiose entre matéria e espírito, da qual poderia resultar a realização de um dos desejos mais antigos da Humanidade: o elixir da longa vida. Neste sentido, à quem considere a procura alquímica como uma metáfora da condição humana.

A alquimia assumiu, depois do séc. XVIII um carácter manifestamente religioso, dedicando-se, sobretudo, ao estudo das relações espirituais e energéticas entre o Homem (microcosmo) e o Universo (macrocosmo).

Como estamos a ver, a Quinta da Regaleira permite-nos abordar uma infinidade de assuntos e conceitos, pelo que vos deixo (e esse o meu objectivo!...) algumas pistas e alguns motivos de leitura… se quiserem, claro!...

Continuemos.

A concepção religiosa que nos mostra a Regaleira assenta no Cristianismo. Contudo, dizem os estudiosos destes assuntos, num Cristianismo escatológico que tem a ver com o fim dos tempos… É também um Cristianismo Gnóstico apoiado em discursos míticos e em conhecimentos sagrados que prometem a salvação da alma aos fiéis. (Relacionado com os Evangelhos Gnósticos. Aqueles que, segundo os entendidos e os estudiosos nestas matérias, foram escritos pela mão de Maria de Magdala, outros pelo próprio Cristo e outros ainda por alguns dos discípulos, nomeadamente São João)… É, enfim, um Cristianismo imbuído de ideais neo-templários, associados ao culto do Espírito Santo, que podemos encontrar na tradição mítica portuguesa.

Mais uma vez, temos referência aos Cavaleiros Templários…

Desaparecidos os Templários, não desapareceu o templarismo, cujo o espírito, que podemos resumir na defesa dos lugares sagrados e na luta contra o mal, renasceu em várias correntes e várias organizações iniciáticas como sendo a afirmação simbólica da sobrevivência da Ordem do Templo.

A Cruz Templária no fundo do poço iniciático, a Cruz da Ordem de Cristo no chão da Capela, bem como todas as outras cruzes dispostas na Capela, testemunham a influência do templarismo  no ideário de Carvalho Monteiro

Há ainda na Regaleira referências rosa crucianas, de tendência Cristã, utilizando os símbolos conjuntos da rosa e da cruz. O movimento Rosa-Cruz propunha reformas sociais e religiosas, exaltava a humildade, a justiça, a verdade, a castidade, apelando à cura de todas as enfermidades do corpo e da alma. Tornou-se grau maçónico de várias Ordens e, ainda hoje, existem escolas esotéricas e sociedades secretas que pretendem assumir-se como reaparições do mito Rosa-Cruz.

A Quinta da Regaleira não se estuda… A Quinta da Regaleira, sente-se!!!

Espero, agora que acabei, ter deixado informação suficiente para vos abrir o apetite para outros assuntos…

Sem comentários:

Enviar um comentário